Um menino de 14 anos.
Uma criança.
Sem dormir há dias, de tanta
alegria. A alegria irresistível desde o ano passado, quando seu time se
classificou para a Libertadores da América e, desde então, ele e o pai
começaram a fazer planos de como seria legal acompanhar no estádio o time dos
seus corações. A ansiedade pela definição dos times que comporiam o grupo. De
repente, aparece o Corinthians no meio do caminho, ao mesmo tempo em que se
sentiram assustados por terem que enfrentar o atual campeão das Américas e do
mundo, ficaram ainda mais eufóricos pensando: “Se queremos ser grandes, temos
que encarar os grandes. Que venha o Corinthians!”
E, desde então, aquela ansiedade
gostosa que só sente quem ama o futebol.O menino foi para a escola com a camisa do seu clube, ligou para o primo que torce para o time rival tirando um sarro, dizendo que não poderia encontrá-lo na quarta, pois naquela noite o seu San Jose entraria em campo pela Libertadores. Coisa de time grande, ele disse para o primo que torce para o outro time, um qualquer que não se classificou.
Naquela semana a cidade só falou
disso.
As rádios, os canais de TV,
naquela semana o único assunto possível era o embate entre o modesto San Jose
contra o poderoso e milionário Corinthians.
A cidade parou.
O país inteiro estava atento.
O coração do menino bateu
apertado quando se aproximou do estádio, olhava com um sorriso que não cabia no
rosto para o seu pai, também eufórico.
Viu a torcida de azul tomando as
ruas, os espaços ao redor do estádio.
Não era qualquer time, era o seu
San Jose, prestes a enfrentar o atual número 1 do mundo, prestes a se tornar –
para ele – o maior do mundo também.
Aquele cheirinho de estádio, das
comidas vendidas nos arredores, as bandeiras amarradas nas costas que enchem os
torcedores de superpoderes, um batalhão de pessoas vestindo as suas camisas da
sorte, aquelas que de jeito nenhum perdem jogos e, quando perdem, a culpa é do
juiz, pois o seu time só perde quando você não está com ela.
Ele estava com ela, a sua camisa
da sorte, aquela imbatível que faria a diferença para que seu time tivesse
forças para enfrentar o poderoso Corinthians.
Arquibancadas lotadas, a torcida
gastando suas cordas vocais, o estádio pulsando.
O time entra em campo, foguetes
espocando no ar, é “La Tenebrosa”, como é conhecida a torcida, dando as boas
vindas e enviando energia positiva para que seus onze Davis tenham força
suficiente nos seus estilingues e derrubem os onze Golias de preto do outro
lado do campo.
O menino está emocionado, aquele
nozinho na garganta que todo mundo que frequenta arquibancadas já sentiu alguma
vez na vida. Olha outra vez para o pai, essa noite vai ser nossa, ele diz.
O juiz apita, o coração dispara.
Ele se estica para poder enxergar
o campo, tá todo mundo de pé, cantando, pulando, vibrando, jogando junto.
Mas não é a toa que os caras de
preto são os maiores do mundo, não se passaram nem cinco minutos e eles já
dominam o jogo, já criaram oportunidades.
Mas é o nosso San Jose, nós vamos
conseguir, nós somos grandes também!
Uma bola na área, SAI, o menino
grita para que seu grito ajude a afastar a bola da área. Não afastou, mas seu
grito fez com que o primeiro errasse a bola, ele sabe, foi o seu grito que
atrapalhou o cara de preto, mas tem outro ali no meio, um que a despeito dos
onze guerreiros do San Jose, traz Guerrero também no nome.
Gol deles.
A torcida de preto pega fogo,
gritam, calam os de azul e branco.
O menino olha para o pai como
quem pergunta, vamos virar, né pai?
Mas o pai não pôde responder. A
partir daquele momento o mundo calou.
Foi um segundo, uma faísca, um
tiro e o futebol deixou de existir.
E, a partir daquele momento, nada
mais teve importância.
Uma bola de fogo atravessa o olho
para cegar o futebol, calar, ensurdecer, acabar.
Não existe mais camisa
adversária, não existe mais a minha camisa.
Não existem mais Davis nem
Golias, grandes nem pequenos.
A Copa, a despeito do seu nome, não
liberta, mas prende para sempre o grito de gol.
O futebol deixa de existir.
Um menino de 14 anos.
Uma criança.
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